sábado, 30 de outubro de 2010

Maradona nasceu há 50 anos (e os médicos gritaram golo)



Por Sérgio Pereira e Pedro Jorge da Cunha

«Quando se atira a bola a um bebé, o reflexo natural dele é agarrá-la com as duas mãos. O meu filho chutava-a com o pé esquerdo.»

A frase pertence a Dona Totta, mãe de Maradona. Nela cabe toda a perfeição da mais pura definição do génio que nasceu para jogar à bola

Nasceu a 30 de Outubro de 1960, pelas 7.15 da manhã, na Policlínica Evita, em Lanús (Buenos Aires). Na Argentina brinca-se que quando Maradona nasceu, os médicos gritaram golo.

Se não gritaram, deviam ter gritado.

Ora como meio século é uma data que merece ser celebrada em grande, o Maisfutebol convida o leitor a uma viagem sem retorno: uma viagem por todas as histórias e vídeos de Maradona, com depoimentos de gente dentro, gente que viveu com o génio.

No primeiro bloco vai viajar desde o nascimento até ao dia em que saiu para o Barcelona. Vai ler os depoimentos do irmão Raul e do filho Maradona Jr., vai recuar até Villa Fiorito com um amigo de infância, vai vestir a camisola do Cebollitas ao lado de um antigo colega.

Vai estar com o treinador Juan Carlos Montes quando o chamou ao plantel principal do Argentino Juniors e vai ser Rúben Giacobetti a cruzar a linha lateral para ser substituído por Maradona na estreia como sénior.

Vai perceber com Ricardo Bochini o que é ser o ídolo do ídolo de milhões, vai estar com Mario Kempes a recordar um almoço da concórdia entre os dois maiores dez do futebol argentino, vai ser Batista e saber o que é ser agredido por Maradona num Mundial.

Vai juntar-se a nós e gritar «Maradó, Maradó».

Mas porque este dia não é só de Maradona, é de todos nós, que amamos o futebol, tem de fazer parte da viagem: envie vídeos, envie textos, deixe-nos a sua homenagem. Venha enfim celebrar o génio.

É fácil: imagine que é Maradona e tem uma bola nos pés.

Maradona, 50 anos: as noites em que Raul adormecia a olhar para o irmão

Por Pedro Jorge da Cunha

«O meu irmão é um fenómeno. Nunca hei-de chegar ao nível dele. É um marciano a jogar à bola.»

Hugo Maradona, 06/09/1979

Aos nove anos, o irmão mais novo do Pelusa acordava todos os dias a desejar o impossível. Desejava ser tocado pela genialidade de Diego. Queria roçar na bola com a mesma classe, dar milhares de toques seguidos, ser um ídolo de milhões.

Aos nove anos, Hugo sabia também que os seus desejos jamais se tornariam reais. Só havia lugar para um marciano na família e o papel de alienígena já estava tomado por El Pibe. Hugo tornar-se-ia profissional de futebol, é verdade, embora nunca tenha descolado os pés da terra.

Ainda jogou em Itália, até defrontou Diego na Serie A com a camisola do Ascoli, mas só no Japão conseguiu ser especial. Hoje em dia, Hugo está radicado no EUA e tem uma padaria na cidade de Greenacres (Florida). Especializou-se na elaboração de empanadas e tortillas. Mais terráqueo é impossível. Talvez por isso tenha recusado participar nesta reportagem.

Raul Lalo é um ano mais velho do que Hugo. Colecciona até hoje jornais e revistas que têm Diego na capa. Chegou a fazer um jogo na equipa principal do Boca Juniors, antes de se perder em campeonatos menores.

Ao Maisfutebol, Lalo confessa ter sido «difícil» lidar com o apelido Maradona apenas até à adolescência. «Depois, o prazer de ter o irmão que tenho serviu para ultrapassar isso. Fui perdendo os meus sonhos e vivendo os dele. Era injusto ser sempre alvo de comparações, mas percebo a ânsia das pessoas em encontrar um génio mais.»

«Como o meu irmão só o Pelé»

Raul adormecia a olhar para Diego. Fechava os olhos e sonhava em ser como o irmão. A pouco e pouco os sonhos desapareceram. Lalo percebeu que não era uma questão de aplicação, de paixão, ou trabalho. «Não, aquilo é um dom. Eu via o que ele fazia no nosso quartinho. Em dois metros quadrados fintava-nos como queria. Como ele só o Pelé. Mais ninguém.»

De quando em vez a Villa Fiorito parava para ver o filho varão de Don Diego. Raul não perdia um jogo do Pelusa. «Era uma festa, uma obra-prima. E ninguém tinha de pagar bilhete. A minha mãe é que andava sempre preocupada, coitada.»

Os anos passaram, Diego tornou-se D10S e Lalo assistiu a tudo da primeira fila. Ainda recentemente, fez questão de ir até à África do Sul com o filho Tiago. «É um grande irmão. Ajuda-nos com tudo. Uma vez ligou-me de manhã a perguntar-me se queria ir em vez dele ao Japão, fazer um anúncio publicitário. Explicou-me que o importante era estar lá alguém que se chamasse Maradona.»

Raul passa os dias a descobrir jovens talentos. Peneira o filão argentino em busca daquilo que nunca teve: o dom de ser especial.

«Adorava estar mais tempo com o meu pai»

Menos harmoniosa é a relação entre Diego Maradona e o filho bastardo. Maradona Júnior joga em Itália, agora no Forio D¿Ischia, e continua longe do pai. Em entrevista ao Maisfutebol, realizada em Fevereiro, falou sobre as agruras de ser descendente de D10S.

Agora, novamente ao nosso jornal, envia os parabéns possíveis. «Fico feliz que esteja bem. Adorava estar mais tempo com ele. A vida não o permite. Vibro com as alegrias dele e sofro com as tristezas. O passado está perdoado. Não quero envergonhar o nome Maradona. É demasiado importante.»

Maradona, 50 anos: Villa Fiorito enchia-se de gente para desafiar Pelusa

Por Sérgio Pereira

Villa Fiorito era um daqueles bairros: cheio de espaço, casas pobres e gente humilde. Onde os pais trabalhavam de sol a sol e as mães cuidavam dos filhos. Dona Tota teve sete e Diego era o quinto. Eram dias difíceis. D. Maradona, o pai, levantava-se às três da manhã e regressava a casa às sete da tarde.

Trabalhava numa empresa de transformação de fertilizantes e fazia horas extraordinárias para todos os dias colocar pão em casa. «Éramos muito pobres», conta Jorge Carrizo ao Maisfutebol. Jorge era vizinho de Diego, partilhava os descampados e os sonhos. «Vivíamos a cinco casas de distância um do outro.»

Os tempos livres eram passados a jogar à bola. «Havia quinze campos, na altura. Agora só há um». Villa Fiorito já não é Villa Fiorito. Jorge Carrizo continua a viver no bairro, mas está ansioso por sair. «É zona vermelha de Buenos Aires. Se precisares de telefone ou cabo, nenhuma empresa vem cá colocá-lo.»

O bairro está cercado por drogados e marginais. «Até a avó de Diego assaltaram. Depois a senhora saiu daqui», conta. «Já perdi a conta às vezes que me assaltaram. As ruas estão cheias de miúdos a roubar e a bater. Vê-los a drogar-se e não podes dizer nada, se não batem-te. Estou à espera da reforma para sair daqui.»

Os torneios em Villa Fiorito...

Já ninguém joga à bola na rua. O campo onde Maradona aprendeu a jogar futebol, aliás, foi destruído. «Está cheio de barracas, agora. Nem consigo passar por lá que começo a chorar», diz Jorge. Tem mais três anos do que Diego e fala com entusiasmo do amigo. «Ia buscá-lo a casa e passávamos os dias a jogar.»

Eram outros tempos, com outras prioridades. «Havia torneios de bairro. Só queríamos competir.» Um dia ouviram falar num torneio aberto num bairro vizinho. «Um torneio aberto é para toda a gente: vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos.» Jorge inscreveu-se com Maradona, o irmão Goyo, o Montañita e um guarda-redes.

«Eu tinha catorze anos, eles teriam dez ou onze. Quando olharam para o Maradona e o Montañita não queriam aceitar a equipa.» Arranja outros, disseram-lhe. «Disse-lhes que eram aqueles». São crianças, devolveram. Arranja outros. «Ou aceitavam aquela equipa ou não aceitavam. Aceitaram. Imagine? Fomos campeões.»

... o fim de Pelusa, que «não era nenhum maricas»

Na final Maradona marcou três golos, conta. «Era um fenómeno. Era muito pequeno, mas ninguém lhe tirava a bola. Já tinha um talento distinto. Ele não agarrava a bola, acariciava-a.» Homens de barba e bigode pediam então a Jorge para levar o Pelusa. «Entrávamos em todos os torneios. Todos nos queriam.»

Até um dia, claro. «O Maradona já jogava nos Cebollitas e o pai dele não gostava que jogasse no bairro. Sabe que o futebol no bairro é diferente. Era duro e tinha de se meter o pé. O Maradona não era um maricas, era um miúdo bravo. Tão bravo que um dia levou uma patada, lesionou-se e o pai nunca mais o deixou voltar.»

Foi o fim do futebol ao lado de Maradona: Jorge nunca jogou fora do bairro. «Não tinha o talento deles», admite. Maradona acima de todos, claro. «Mas quando tínhamos cinco ou seis anos, havia um miúdo chamado Sopatota... incrível. Depois o Pelusa tornou-se melhor. Com oito anos nem homens feitos lhe tiravam a bola.»

Maradona, 50 anos: D10S tem um ídolo e chama-se «Maestro» Bochini

Por Pedro Jorge da Cunha

A tágide de Diego Maradona chama-se Ricardo Bochini. Suprema inspiração de D10S, alvo da mais pura devoção da meninice do Pelusa. «Só tenho um ídolo. É o Bocha, o número dez do meu Independiente», vincou o imberbe Dieguito, numa das suas primeiras entrevistas.

O que é ser o ídolo do maior dos maiores? Como é impregnar de pueril inveja o futebol daquele que tudo tem? «É como se os Beatles amassem a música dos Los Piojos [banda rock da Argentina]. Não faz grande sentido para mim», desabafa Bochini, envergonhado, ao Maisfutebol.

Mas faz. Faz todo o sentido. Maradona era hincha do Independiente e Ricardo Bochini o grande símbolo do clube. Mais de 700 jogos, centenas de golos, classe a transbordar por todos os poros. A recompensa chegou em 1986.

«Sei que joguei seis minutos no Mundial do México porque o Maradona assim o exigiu», confessa. «Merecia ter ido ao Campeonato do Mundo de 1978 e não fui. Em 1982 lesionei-me à última da hora. Em 86 tinha 32 anos e as pernas cansadas. O Maradona convenceu o Carlos Bilardo a convocar-me.»

A mais bela das homenagens. Maradona resolveu o jogo frente à Bélgica [2-0, com golos do diez] e na fase de descompressão exigiu a entrada de Bochini. «Saiu o Burruchaga, outro craque. Pisei a relva e o Diego veio a correr para mim. Faça o favor Maestro, a bola é sua.»

Foi o único jogo oficial que fizeram juntos: seis minutos para a História.

1979, um certo jantar em Buenos Aires

Diego Maradona teve de esperar até 1979 para conhecer Ricardo Bochini. O encontro foi arranjado por Hugo Saggiorato, um amigo comum. «Sinto um grande orgulho nisto. O Hugo veio ter comigo e disse-me que o Maradona era meu fã e queria jantar comigo», recorda.

«Nessa altura ele já era reconhecidamente um fenómeno. Combinámos ir a um restaurante da moda em Buenos Aires. Cheguei primeiro, esperei, esperei e comecei a pensar que ele não vinha. Levantei-me e percebi tudo. O Diego estava à porta a dar autógrafos há mais de meia-hora.»

Maradona chegou à mesa e beijou a mão de Bochini. D10S também venera. «Falámos sobre futebol, sobre a minha carreira, sobre a vida difícil na Villa Fiorito. Percebi que o Dieguito tem um coração enorme, apaixonado, por vezes demasiado apaixonado.»

A cópia perfeita e um casamento «de loucos»

O melhor golo de sempre pode ser, afinal, uma cópia. Uma cópia perfeita e ampliada, é certo. Mas uma cópia. Antes de Maradona destroçar meia-Inglaterra no Mundial de 1986, já Ricardo Bochini fizera o mesmo ao Peñarol.

«São dois golos semelhantes. Na Libertadores de 1976 fintei seis ou sete uruguaios. Creio que arranquei ainda mais de trás do que o Diego», relembra Bochini, antes de finalizar a conversa com uma história deliciosa. Uma história de alguém que é ídolo do maior dos maiores.

«Fui ao casamento da filha de um dirigente do Independiente. A cerimónia foi numa quinta e puseram o altar numa zona relvada. Cheguei atrasado, sem chamar a atenção, mas o padre viu-me. Interrompeu o seu monólogo, pediu desculpa aos noivos e gritou: acaba de chegar o melhor jogador que vi em toda a minha vida. Um aplauso para o senhor Ricardo Bochini. Não sabia onde me meter. Foi de loucos.»

Música da claque do Independiente:

«Não se chama Maradona,
não é Di Stéfano nem Pelé.
É o Maestro Bochini, o melhor número 10»

Maradona, 50 anos: o Cebollitas e a história que quase não começava

Por Sérgio Pereira

Quando Goyo Carrizo foi fazer testes ao Cebollitas a resposta que recebeu foi em forma de pergunta: não tens outro lá no teu bairro como tu? «Tenho um melhor», respondeu Goyo. «O Pelusa». Tinham nascido com nove dias de diferença, frequentavam a mesma escola de Lomas de Zamora e eram amigos desde sempre.

Pela mão do amigo começa a mais bela história do futebol: Diego tinha dez anos. O Cebollitas ganhou títulos, bateu recordes e foi transformado em veículo de propaganda do regime peronista. Diziam que era um exemplo da boa educação desportiva da república argentina. «Éramos imbatíveis», conta Ricardo Lombardi.

«Era difícil encontrar um miúdo que não fosse craque». Acima de todos... Maradona. Sob a orientação de Diego, os Cebollitas estiveram 137 jogos sem perder. Só perderam uma vez, aliás. «Em Santiago Ballesteros, num pueblo chamado Pinto», conta Jorge Carrizo, o irmão de Goyo e amigo de Maradona.

Jorge ainda recorda as palavras de ambos à chegada da derrota. «Diziam que os adversários tinham bigode. É normal. Na província registavam-se as crianças quando às vezes já tinham quatro ou cinco anos», lembra ao Maisfutebol. Os Cebollitas perderam pela primeira vez e Maradona... chorou.

Mas esse foi um jogo que não esqueceu. «No final um senhor da aldeia convidou-os a comer em casa dele. O Pelusa estava a chorar e esse senhor disse-lhe: Não chores, que ainda vais ser o melhor do mundo». Maradona parou de chorar. «Ainda hoje conta essa história. Foi uma frase que o marcou para toda a vida.»

A primeira ovação aos 12 anos... no terreno do Boca Juniors

Os Cebollitas iam fazendo história. «Uma vez perdíamos 1-0 ao intervalo. A outra equipa já estava entusiasmada», conta Lombardi, ele que admite que integrava a parte mais fraca dos Cebollitas. «O treinador deixara Maradona e Goyo de fora. Entraram na segunda parte e marcaram seis golos em quinze minutos.»

A partir daí, fecharam a loja. «Chegavam em frente da baliza e rematavam para fora. Ninguém percebia. Eles no fim explicaram: estavam a tentar acertar numa vaca que havia num campo atrás da baliza. Tinham feito uma aposta para ver quem lhe acertava primeiro. Podiam ter feito quinze golos só na segunda parte.»

Carrizo descorre as memórias sem parar. Lembra de quando a televisão apareceu nos treinos. «O Maradona era um malabarista, fazia coisa incríveis com a bola. Ao intervalo dedicava-se a mostrar habilidades. Começou a espalhar-se a notícia de que havia um miúdo que era um fenómeno e até a televisão foi lá filmá-lo.»

Cumpria por essa altura doze anos. Mais ou menos a mesma idade que tinha quando recebeu a primeira grande ovação... no terreno do Boca Juniors. «Foi num jogo em que o treinador o ia tirar. De repente os adeptos do Boca começaram a gritar o nome dele e a pedir para o deixar ficar em campo. Ficou, claro.» Premonitório?

Uma história que esteve quase a não começar

A melhor parte desta história é que esteve quase a não começar: Diego recebeu dinheiro e permissão do pai para fazer o teste, apanhou dois autocarros e apresentou-se no local... que estava fechado: chovia muito e o campo estava impraticável. Maradona chorou. O pai não voltaria a dar-lhe dinheiro para a viagem.

Nessa altura surgiu Francis Cornejo. «Todos para a carrinha de Yayo», gritou. «Vamos fazer o teste a outro lado». Diego fez o teste e ficou, Francis tornou-se o homem mais importante na carreira. «Foi treinador, conselheiro e quase um pai. Dava-lhe dinheiro para comer, para o autocarro, para comprar botas.»

Francis morreu há um par de anos: sozinho, pobre e abandonado. «Fui sempre humilde, pobre e lírico. A Diego nunca pedi nada, só agradeci. Podia ter tocado a qualquer um, mas tocou-me a mim. Sinto-me pago só por tê-lo descoberto. Foi o filho que nunca tive, e posso morrer tranquilo», referiu Francis pouco antes de morrer.

Maradona, 50 anos: jogador do Regime, importante para a Pátria

Por Luís Pedro Ferreira

Diego Maradona ainda não tinha 16 anos quando um golpe de estado, a 24 de Março de 1976, tirou os «peronistas» do poder, na Argentina. O Processo de Reorganização Nacional governou pelo terror e jorrou sangue nas «calles» argentinas. Já antes, Maradona era visto pelos «peronistas» como um exemplo, com os Cebollitas a percorrerem a América do Sul. A política sempre influiu na vida de Maradona, desde a infância até ao Mundial-86.

Os Cebollitas estiveram 137 jogos sem perder, sempre com Diego como figura. Jogaram em toda a Argentina. Como exemplo do crescimento e influência desportiva do período «peronista», partiram em digressão, com jogos no Chile, na Bolívia e muitos outros destinos na América do Sul.

Amigo de infância, Jorge Carrizo recebia presentes de Maradona, como conta ao Maisfutebol: «Diego trazia-me garrafas de whiskey, daquelas pequenas, que se davam nos aviões», revela. El Pibe aproveitava de todas as maneiras o modo de transporte que o Estado lhe proporcionava, algo que, naquela altura, estava apenas ao alcance dos ricos. Anos depois, já no Argentino Juniors, um outro Governo iria ter maior influência na vida de D10S.

«O jogador não pode sair, a pátria precisa dele»

A história é contada por Josep Maria Minguella. O empresário catalão levou grandes futebolistas para o Barcelona, desde Romário, Hagi até Messi. Mas o primeiro de todos foi Maradona. Minguella relata numa autobiografia que estava à procura de um extremo direito para o Burgos. O alvo era Jorge Lopez, do Argentino Juniors. Por sorte, assistiu à estreia de Diego. Pouco depois, estava em contacto com o presidente do clube e fez o negócio por cem mil dólares! O Barcelona recusou-se a pagar tanto dinheiro por um jovem de 16 anos.

Em 1980, em pleno «Processo», o Barça volta atrás. Minguella negoceia El Pibe. O acordo foi rápido, a aparição do Regime também. Julio Grondona, presidente da federação argentina, já o era naquele ano e informou que havia um problema com a transferência.

O almirante Carlos Lacoste fora chefe da organização do Mundial-78, na Argentina e comunicou a Minguella: «O jogador não pode sair porque a pátria precisa dele. Se quer fazer negócios neste país, podemos facilitar noutros casos, mas esqueça este. Até ao Espanha-82, Maradona não sai.»

A vida de Maradona era influenciada ao mais alto nível político, até porque um dos generais mais sangrentos no período da ditadura tinha uma forte ligação ao Argentino Juniors. Carlos Guillermo «Pajarito» Suárez Mason foi julgado por crimes contra a Humanidade e cumpriu prisão domiciliária. Voltou à cadeia porque decidiu celebrar os 80 anos no recinto do Argentino Juniors, em 2004 já chamado «Estádio Diego Armando Maradona». Diz-se que foi ele quem proibiu a saída do Pelusa para o Barça, tal como, conta-se, Salazar dissera não à saída de Eusébio, do Benfica para Itália.

Apenas em Maio de 1982, o Barcelona, e Minguella, conseguem contratar Maradona, que estava concentrado com a selecção argentina em Alicante, nas vésperas do Mundial de Espanha. Quatro anos depois, a política voltaria a atravessar-se no caminho.

A Guerra e o Mundial-86

Durante o «Processo», a Argentina ocupou as Malvinas e entrou em guerra com a Inglaterra. As mães argentinas choravam milhares de desaparecidos, torturados e assassinados pelas juntas militares. Agora, chorava também os mortos na guerra com Inglaterra, uma guerra que no Mundial-86 tornou ainda mais importante o confronto entre argentinos e ingleses.

Maradona resolveu o encontro. Primeiro com a «Mão de Deus», depois com um golo que derrubou seis ingleses de uma vez só. Naquele 22 de Junho de 1986, Maradona deu algum conforto aos que perderam filhos na guerra. O 24 de Março é o «Día Nacional de la Memoria por la Verdad y la Justicia», para que sejam lembradas as lágrimas de todas as mães argentinas. Os golos de Maradona à Inglaterra também não nos deixam esquecer...

Maradona, 50 anos: o Argentino Juniors, e um treinador desconfiado

Por Sérgio Pereira

Juan Carlos Montes estava farto da mesma história: toda a gente lhe dizia que tinha de ir ver um miúdo de 15 anos que jogava nas camadas jovens. Montes era o treinador da equipa principal. «O Argentino Juniors estava em risco de descer e eu pensava que não era um miúdo de quinze anos que me ia safar», conta.

Enganou-se, admite agora. «Enganei-me redondamente.» Quando o Argentino Juniors garantiu a permanência, o treinador mandou então vir o tal miúdo de 15 anos que jogava na equipa da sétima divisão. Chamava... Maradona. «Era um miúdo baixinho, delgado, fiquei a olhar para ele desconfiado», conta ao Maisfutebol.

«Ao primeiro toque na bola conquistou-me imediatamente. Era um miúdo distinto, com um toque de bola delicado.» Maradona nunca mais saiu da equipa principal e o Argentinos Juniors nunca mais foi o mesmo. De equipa que lutava para não descer, o clube passou a lutar pelo título. Chegou aliás a ser vice-campeão.

Provavelmente só Montes não conhecia a reputação de Maradona. «É curioso que todos os grandes treinadores me diziam: avisa-me quando lançares o miúdo. Quando o estreei com o Talleres de Córdoba era uma quarta-feira e vieram todos: o seleccionador Menotti, o Lorenzo, do Boca, enfim, vários.»

O então treinador de Maradona desculpa-se. «Há 34 anos não era como agora, que todos os torneios juvenis passam na televisão. Os planteis eram maiores e ele jogava na sétima divisão», brinca , ele que ainda hoje ter de falar desse episódio e se orgulha de ter lançado também Jorge Valdano, por exemplo.

Mas há outra história curiosa à volta da chamada de Maradona ao plantel principal. «Lembro-me de dizer para avisarem o miúdo que no dia seguinte ia treinar connosco. Ele aparece-me à frente com uma camisola do Newells Old Boys». Juan Carlos Montes sorri. «O Newells tinha sido o meu clube no ano anterior.»

Olhou para Maradona de cima e com cara séria atirou: «Achas que é assim que me vais comprar?». A resposta deixou-o intrigado. «O miúdo sorriu e disse que não. Qualquer outro tinha dado logo uma resposta altiva. Ele não. Era um miúdo tímido e sossegado, fora de campo. Dentro dele era o contrário, era uma fera.»

Maradona, 50 anos: o vulgar Giacobetti a abrir caminho à História

Por Pedro Jorge da Cunha

Passou a primeira parte sentado no banco de suplentes. Em «silêncio absoluto», a contemplar o infinito que o acolheria logo a seguir. Os colegas riam, comentavam, agitavam-se e Dieguito mantinha-se imperturbável. Parecia ansioso, quase a sufocar. Olhava o jogo, a vulgaridade dos actores, percebia que a cancha urgia pelo seu dom.

Ao intervalo o Argentinos Juniors perdia por 0-1. O Talleres de Córdoba marcara por Luís Ludueña, numa distracção de Rúben Giacobetti. O erro valeu-lhe a entrada directa na história do futebol mundial. Giacobetti ficou nos balneários, «por castigo», e deu o lugar a um pibe de 15 anos.

20 de Outubro de 1976: Diego Armando Maradona fazia o primeiro jogo no escalão sénior.

Rúben Aníbal Giacobetti estendeu a passadeira vermelha a D10S. E pouco se importou. Como explica ao Maisfutebol, 34 anos depois, sentiu de imediato estar a gravar o seu nome nas linhas sulcadas por Maradona. Uma «honra», um «privilégio».

«Fui de minha casa para a concentração e comemos uma parrillada», conta Giacobetti. «Foi a primeira vez que vi o Diego. Calado, tímido, ficou num canto da mesa, a cantar baixinho. Não parecia nada nervoso.»

«Tornei-me num discípulo de D10S»

A digestão foi feita numa «longa caminhada». No balneário, atenção máxima às palavras do treinador Juan Carlos Montes. Depois, o relvado. Céu celeste, sol tíbio, envergonhado, a demandar a aparição do Pelusa.

Disfarçado num retrato ridículo, o 16 encoberto pelos calções puxados até ao umbigo. Camisola vermelha, meia brancas dobradas sobre as caneleiras. As chuteiras negras, com três riscas brancas, pernas poderosas e uma farta cabeleira. Assim trajava D10S no baptismo mundial.

«Tomei banho e fui para a bancada ver o jogo. Mal cheguei falaram-me logo do Dieguito. A equipa até estava a jogar mal, mas a bola tornava-se distinta ao chegar a ele. Fez um túnel ao Juan Cabrera logo a começar e ainda mandou uma bola à trave, à entrada da área»

Giacobetti sacrificou-se por um bem maior. Agradece até hoje por isso a Maradona. «Um jogador apenas razoável, como eu, entrou logo ali na bíblia do futebol. Digo isto porque o Diego é, sem dúvida, o deus da bola. Eu tornei-me num discípulo dele, humilde e fiel.»

A análise e as imagens da estreia

O diário Clarín fez uma análise curiosa ao comportamento de Maradona em campo. Comprova que a excelência, a majestosidade, estiveram lá desde o primeiro instante. Vale a pena ler:

«A entrada do chico Maradona, 15 anos apenas, deu maior mobilidade ao ataque do Argentinos. Mas Maradona, um grande habilidoso, não teve com quem trocar a bola. Ninguém o soube acompanhar. Os seus intentos acabaram, geralmente, na férrea marcação do Talleres.»

Génio, génio, génio.

Confira a ficha de jogo:

ARGENTINOS: Carlos Munutti; Alfonso Roma, Ricardo Pellerano, Miguel Gette e Humberto Minutti; Carlos Fren, Rubén Giacobetti (Diego Maradona, 46) e Mateo Di Donato; Jorge López, Carlos Alvarez e Sebastián Ovelar (Ibrahim Hallar, 26).
Treinador: Juan Carlos Montes.

TALLERES: Oscar Quiroga; Victorio Ocaño, Luis Galván, Miguel Oviedo e José Avellaneda; Juan Cabrera, Luis Ludueña e José Valencia; Angel Bocanelli, Humberto Bravo (Víctor Binello, 45) e Ricardo Cherini.
Treinador: Rubén Bravo.

GOLO: Ludueña (27)

Maradona, 50 anos: o «mestre» Kempes de Diego, e o Mundial 78

Por Sérgio Pereira

Falar com Mario Kempes sobre Maradona é tocar-lhe no coração: Kempes conversa sem parar. «Vou contar-lhe uma história», diz ao Maisfutebol. «Quando assinei pelo River Plate, o Maradona tinha acabado de chegar ao Boca Juniors. Eu vinha do Valência, de Espanha, e ele vinha do Argentino Juniors.»

Estava-se em 1981. «Poucos dias depois de assinar, recebi uma chamada: Maradona queria convidar-me para ir almoçar a casa dele e para levar toda a minha família. Fez um grande banquete, onde também estava o Jorge Cysterpiller, que na altura era agente dele, para me dar as boas-vindas ao rival do Boca Juniors.»

O gesto tocou Mario Kempes. Ele que tinha sido o dez no Mundial de 1978, o tal Mundial em que Menotti ignorou o talento de Maradona. «É uma grande pessoa, muito amigo. Comemos, rimos, passámos um bom tempo e no final tirámos uma foto, eu com a camisola dez do River e ele com a camisola dez do Boca.»

Por essa altura Maradona já tinha ultrapassado a frustração de não ser chamado para jogar o Mundial 78. A Argentina organizava o Campeonato do Mundo, El Pibe já era uma estrela no Argentino Juniors e estava pré-convocado: na recta final, César Luis Menotti acabou por riscá-lo para grande desilusão do país.

O tempo viria a dar razão a Menotti: a Argentina foi campeã do mundo e Mario Kempes (que vestiu a tal dez que todos queriam nas costas de Maradona) foi eleito goleador e melhor jogador da prova. «A camisola dez foi uma casualidade. Os números eram distribuídos por ordem alfabética e calhou-me a mim.»

«No Mundial de 82, por exemplo, calhou ao Patrício Hernández ficar com a dez, mas ele deu-a a Maradona e eu não fiquei chateado.» Quatro anos antes, é um facto, Diego ficara chateado com a ausência do Mundial. Ele e todos os argentinos. «Comigo não teve qualquer atitude incorrecta. Nem nunca me disse nada.»

O treinador Juan Carlos Montes, do Argentino Juniors, diz que Diego Maradona acabou por perceber a decisão de Menotti. «Ele era muito novo. Já tinha feito alguns jogos pela selecção e estava a iniciar uma grande carreira, mas o seleccionador tinha uma equipa formada e não quis mexer nela. Fez sentido.»

Maradona manteve sempre, de resto, um grande respeito por Kempes. «Trata-me por mestre», conta o herói de 78. «Acho que é porque quando ele surgiu eu já era um goleador. É por uma questão de respeito, mas para mim é sobretudo um grande orgulho que o melhor do mundo me trate por mestre.»

Maradona, 50 anos: o pontapé a Batista vingado em Turim

Por Nuno Travassos

Maradona marcou presença em quatro Mundiais, mas no primeiro esteve longe de corresponder ao que se esperava. «El Pibe» chegou ao Espanha 82 com apenas 21 anos, mas já com estatuto de jogador mais caro da história. Cerca de 6 milhões de euros (na moeda actual), pagou então o Barcelona. Era o líder de uma selecção argentina que defendia o título mundial conquistado quatro anos antes.

O primeiro jogo até foi na nova «casa», mas Diego passou ao lado do jogo e viu a «albiceleste» ser derrotada pela Bélgica (0-1). A resposta surgiu cinco dias depois: dois golos à Hungria (4-1). Seria o único momento de glória de Maradona na competição.

A Argentina venceu depois El Salvador e passou à 2ª fase. Um novo grupo, agora de três equipas. A derrota com a Itália (1-2) obrigava a vencer o eterno rival Brasil, no segundo jogo. Maradona acabaria por despedir-se aí do Mundial, e da pior maneira: derrotado e expulso. A cinco minutos do fim, e já a perder por 3-0 (a Argentina ainda marcaria), «El Pibe» atingiu Batista no baixo-ventre, com os pitons.

«Eu tinha acabado de entrar. Não sei o que lhe deu na cabeça. Foi nervosismo. Ele nunca foi de fazer aquilo. É o único caso do género. Por isso ainda se fala tanto do lance. Mais até do que o jogo», recordou a vítima ao Maisfutebol. «Nem estávamos a queimar tempo. Foi descontrolo emocional. Ele era a esperança argentina. Eram campeões do mundo, e ele tinha entrado para valorizar a equipa. Viu-se fora do Mundial naquele momento. E quando mete Argentina e Brasil, perder custa o dobro.»

Batista não acredita no rumor de que Maradona teria confessado que o seu «alvo» era Falcão: «Ele é loiro e eu moreno. Ele mais alto do que eu. O Falcão é quase alemão, e eu quase sou índio. Não foi isso. Ele podia estar pegado com o Falcão, mas sabia que não era ele.»

Maradona e Batista reencontraram-se poucos anos depois, em Itália. Um no Nápoles, outro na Lazio. «Não houve problema. Já era passado. Não tive sentimento de vingança. Não conversámos sobre o lance. Cumprimentámo-nos, apenas. Os jornais é que falaram muito disso. Até os árbitros estavam mais atentos», lembra o brasileiro, que passou também pelo Belenenses.

A vingança de Turim no sorriso de Caniggia

Maradona foi campeão do Mundo em 1986, com o brilhantismo que a história nunca apagará, mas a oportunidade para se vingar do Brasil só surgiu quatro anos depois. Os eternos rivais sul-americanos defrontaram-se nos «oitavos», e o jogo de Turim foi decidido por um golo apontado a dez minutos do fim. O autor foi Caniggia, mas a assinatura foi outra.

Um lance recordado por Héctor Enrique, o homem da «assistência» para o golo à Inglaterra em 86 e que foi adjunto do Maradona seleccionador. «Podíamos ter sido goleados, como fomos com a Alemanha em 2010. Mas não. Havia Maradona. Ele pegou na bola, fez uma jogada extraordinária e o Cannigia marcou. Era uma equipa fraca mas chegou à final. É futebol», contou ao Maisfutebol. Não é futebol. É Maradona.



Maradona, 50 anos: Deus e Diabo no corpo de um homem só

Por Vítor Hugo Alvarenga e João Tiago Figueiredo

«Dizem que Maradona devia ser um exemplo, mas exemplos têm de ser os pais das crianças, não culpá-lo quando um filho comete um erro. Que culpa tem ele? Cometeu erros que só o afectaram a ele e aos seus»

Diego Armando Maradona conquistou o Mundo, mas perdeu-se pelo caminho. Foi Deus, foi Diabo, Bem e Mal no mesmo corpo, o corpo de um homem só.

Esta é a história de um ser humano, um génio endeusado pelo seu talento ímpar, vergado pelas tentações apresentadas pelo Mundo, o mesmo globo que tinha feito sorrir com cada expressão máxima da arte futebolística.

«Se eu fosse Maradona, viveria como ele», garante Mano Chao. Nesta segunda parte do extenso trabalho do Maisfutebol, no dia em que Pelusa celebra o seu 50º aniversário, recuperámos a viagem de Maradona para a Europa. O final da adolescência, o Barcelona, o Nápoles, o Sevilha e o regresso a casa. Quando as drogas já acompanhavam todos os seus passos.

Quando Maradona era D10S, deixava marcas em todos. Do humilde Juan José, defesa do Real Madrid atirado contra um poste com um simples movimento de corpo, ao crucificado Goiktoetxea, envolvido nos piores momentos do Pelusa em Espanha. Um acabou no estaleiro, outro carrega a cruz de «Carniceiro de Bilbao».

Em Nápoles, uma música banal virou hino nos pés de Maradona. No México, a Inglaterra viu Deus e Diabo juntarem-se no mesmo corpo, ao mesmo tempo. A mão e o golo do século, o pior e o melhor de um génio, em noventa minutos de futebol.

Ivkovic enfrentou o mostro e venceu, perdendo. Defendeu dois castigos máximos de um génio humilde, o mesmo que um dia pediu uma camisola a Carlos Manuel. Domingos também se lembra dele.

Voltou à Argentina quando a Europa se fartou dele, retiraram-no do Mundial94 pela mão, como uma criança exposta ao ridículo. Reinventou-se como treinador, apaixonado como sempre, um sobrevivente. Parabéns, Diego!

Maradona, 50 anos: no Barça, até mandou Sandokan para o estaleiro

Por João Tiago Figueiredo

26 de Junho de 1983. Final da Taça da Liga entre Real Madrid e Barcelona. Minuto 57. Carrasco rouba uma bola a meio -ampo e isola Maradona. O argentino dribla o guarda-redes e toda a gente no estádio pensou que se seguisse um remate para o fundo da baliza. Todos, incluindo o defesa madrileno Juan José que, desvairado, acudiu ao lance. Maradona guardou uma última maldade. Finta para dentro e José acaba por só encontrar o poste onde julgava que estivesse a bola. Foi golo, como teria sido, provavelmente, sem aquela última finta. Mas, assim, foi inesquecível.

Pormenores. A carreira de um mito não se constrói com pequenas coisas, mas perpetua-se através delas. Em Barcelona, a primeira casa europeia de Maradona, foi assim. Para a posterioridade ficaram momentos como aquela noite, quando o Santiago Bernabéu até aplaudiu o génio argentino.

O lance não só catapultou Maradona, como deixou um pequeno holofote para o lado mais infeliz: Juan José, conhecido em Espanha como o «Sandokan», pelo visual que o tornava, como alguém disse, um dos expoentes máximos do futebol pré-metrossexual . O Maisfutebol falou com Juan José, que confirmou a importância daquele momento na sua carreira.

«Como poderia esquecer? Fui, com toda a boa vontade, tentar cobrir a bola. Ele foi mais inteligente e enganou-me bem. Foi uma boa finta. Ele estava a fazer uma boa época e, claro, como era o Maradona, o público delirou com a jogada. Mas acabou por sobrar um pouco de fama para mim, também», confessa.

«Na hora, apeteceu-me meter a mão à bola»

A leveza de espírito com que «Sandokan» aborda o lance é reveladora. É passado, infeliz, mas não deixa qualquer ressentimento para o antigo jogador. O que não quer dizer que tenha sido assim quando sentiu o poste mais perto que nunca.

«Na hora, apeteceu-me meter mão à bola. Mas acho que nem assim impedia o golo... Hoje é diferente. Não fico nada chateado. Tive a oportunidade de jogar contra o Maradona. Não são assim tantos que o podem dizer», frisou.

Juan José revela que, esporadicamente, ainda lhe falam do lance quando é reconhecido. «Às vezes lembram-se, é verdade...Sobretudo adeptos do Barcelona (risos). Acho que acabou por ser bom para mim também. Para o bem ou para o mal, entrei para a história. É um lance que me marcou para sempre. Ainda hoje se lembram de mim como aquele infeliz que bateu contra o poste enganado pelo Maradona (risos)», conta.

Holofote da fama ilumina, agora, um...estaleiro naval

Juan José foi um jogador de média projecção em Espanha. Começou e terminou a carreira no Cadiz, jogou no Real Madrid e foi internacional em quatro ocasiões. Hoje, o holofote da fama extinguiu-se. Como frisou, são poucos os que se lembram da sua participação no lance de génio de Maradona. Mais alguns, no entanto, sabem que jogou futebol ao mais alto nível. Os restantes conhecem-no pelo trabalho actual: num estaleiro naval.

Depois de pendurar as chuteiras, Juan José sentiu as dificuldades financeiras inerentes a quem fica sem o ganha-pão: «Na época não se ganhava como agora, é bom lembrar! Agora, um jogador de futebol, se tiver cabeça, ganha em meia dúzia de anos para toda a vida. Eu não; ganhava pouco mais de três milhões de pesetas. Tive de começar a trabalhar, como qualquer pessoa que tem de meter dinheiro em casa o faz. Não tive problema nenhum com isso e gosto do que faço.»



Maradona, 50 anos: Goiktoetxea deseja «Zorionak ao melhor do Mundo»

Por Ricardo Gouveia

24 Setembro de 1983, 4ª jornada do campeonato espanhol, Camp Nou. O Barcelona bateu o At. Bilbao por 4-0, mas o jogo ficaria marcado pela entrada de Andoni Goiktoexea sobre Maradona.

Uma fractura no tornozelo com rotura de ligamentos ditou a lesão mais grave na carreira de «El Pibe» que, apesar de tudo, recuperou em pouco mais de três meses.

Os dois jogadores viriam a encontrar-se na final da Taça do Rei, na época seguinte, num jogo que acabou com uma batalha campal que assinalou a despedida de Maradona do Barça.

27 anos depois, Goiko trabalha com Jose Antonio Camacho na formação do Osasuna. Tinha acabado de chegar a casa quando atendeu o Maisfutebol para falar abertamente sobre os episódios.

Atendendo ao vosso passado, o que deseja a Maradona neste adversário?
«Desejo-lhe a melhor sorte do Mundo como desportista. Aquilo que se passou entre nós é passado, ele continuou a jogar e continuou a ser o melhor do Mundo. Maradona não era mau, se foi mau para alguém, como diz Pelé, foi mau para ele próprio. Maradona tem de ser um embaixador do futebol mundial. »

Como é que recorda aquele lance de 1983?
«Já passou muito tempo, mas lembro-me bem. As imagens estão aí na internet. O jogo já estava quente, tentei chegar à bola e fui com tudo. Não tinha a intenção de o magoar, mas aconteceu. Ele esteve três meses sem jogar, mas depois voltou. Voltei a jogar com ele na final da Taça do Rei, foi o último jogo dele pelo Barcelona.»

Voltou a falar com ele?
«Claro que falámos, muitas vezes. Falei com ele pouco depois do incidente e depois encontrámos-nos mais vezes. Ele depois voltou ao futebol espanhol, para jogar pelo Sevilha, além disso já estivemos juntos em algumas entrevistas cruzadas. Não ficou qualquer rancor.»

A sua carreira ficou marcada por aquele lance?
«Não, a minha carreira ficou marcada pelo meu profissionalismo, pela minha entega, pelo meu desportivismo. Fui internacional, fui vice-campeão da Europa em 1984, ganhámos a Portugal e e perdemos com a França na final. Fui duas vezes campeão de Espanha com o At. Bilbao.»

Mas passou a ser conhecido como o carniceiro de Bilbau
«Isso foi um jornal sensacionalista inglês [The Sun] que inventou. Íamos jogar contra o Liverpool e eles puseram na primeira página ¿vem aí o butcher de Bilbao¿. Havia muita gente que não me conhecia, achavam que o Goiktoetxea era só aquele da falta sobre o Maradona, mas empatámos 0-0 em Anfield e o que viram foi um Goiktoetxea muito profissional.»

E o que se passou na final da Taça do Rei no ano seguinte?
«Isso foi no final do jogo, ganhámos por 1-0,sem problemas e estávamos muitos felizes. Nesse ano ganhámos tudo, a Copa, o campoenato e a Superataça. Estávamos a festejar, eles perderam a cabeça, foi uma reacção natural de quem perdeu. Estavam decepcionados com a derrota e reagiram assim. Mas eu passei um pouco ao lado dessa confusão, só queria festejar.»

Alguma mensagem especial para Maradona?
«Dou-lhe os parabéns pelo aniversário, Zorionak, como se diz em basco. Que comemore os 50 anos, esse número mágico, com muita alegria. Sei que gostava de voltar à selecção, então que volte à selecção. Não teve muita sorte no Mundial, na África do Sul, mas notou-se que os jogadores estavam com ele e isso é mérito dele.»

Maradona, 50 anos: «Life is life», um génio eternizado em Nápoles

Por Vítor Hugo Alvarenga

«Quando todos temos o poder, todos damos o máximo
Em cada minuto de uma hora, não pensamos em mais nada
E todos recebem o poder, todos recebem o melhor
E todos dão tudo, e em cada música todos cantam
Vida é vida! (life is life)»

Diego chegara a Nápoles, sul de Itália, há cinco anos. O clube italiano resgatara D10S ao Barcelona, em 1984. «O Maradona transformou uma equipa média como o Nápoles num grande», recorda Alemão, ao Maisfutebol.

Assim foi. Pelusa comandou os napolitanos numa subida a pulso. Chegou sem saber ao que ia. Três anos depois, levava o Nápoles ao título da Serie A, já com os brasileiros Careca e Alemão a seu lado. Faltava a Europa.

Diego Armando Maradona estava no seu auge. Vencera, praticamente sozinho, o Campeonato do Mundo de 1986. Regressara ao Nápoles com todo o seu esplendor, encantando o Velho Continente. Conquistou dois campeonatos italianos, uma Taça de Itália, uma Supertaça italiana e a Taça UEFA.

Aquecer para a história

O Nápoles, até então uma equipa simpática de Itália, transformara-se num adversário temível. Nessa caminhada europeia, na época 1988/89, a turma de Maradona ultrapassa Juventus e Bayern de Munique, dois colossos, até chegar à final. No aquecimento para a meia-final, frente à armada germânica, D10S colocou todo um estádio a cantar.

De repente, possuído por algo mais que a paixão pelo jogo, Maradona envolveu-se numa dança com bola, ao som de «Life is Life», dos Opus. Ninguém esquece aquele momento, aquela demonstração pura de génio num pico de adrenalina. Aliás, quem passar pelo Nápoles, continuará a aquecer ao som daquela música, perpetuada na instalação sonora do Estádio San Paolo. Até hoje.

«Tenho as melhores recordações daquela época, estávamos a jogar no campeonato mais forte do Mundo, nessa altura, disputando os títulos com o poderoso Milan. O Maradona transformou uma equipa média como o Nápoles num grande», frisa Alemão.

«Enfrentava uma pressão enorme»

O Nápoles chegou ao topo da Europa em 1989. Maradona trilhava caminhos sinuosos. «Ele transmitia respeito, aos jogadores e aos adversários. Fui muito bom, muito importante ter partilhado uma fase da carreira com o Maradona. Lemos sobre os seus problemas, mas nós não sabíamos de nada, mesmo nada.»

«É um problema pessoal e felizmente está recuperado. O Maradona enfrentava uma pressão enorme, até hoje não há nem houve um génio como ele, portanto ele podia sair à rua. Connosco, sempre foi boa pessoa e chegou a estar connosco em duas passagens de ano», garante Alemão, antigo internacional brasileiro, em conversa com o Maisfutebol.

Maradona ficou sete anos em Nápoles, uma vida, o auge da carreira entre ligações perigosas. A droga, os contactos indirectos com a máfia, um filho ilegítimo, várias manchas na passagem de D10S por terras transalpinas. As polémicas adensavam-se. Em Março de 1991, é apanhado pela primeira vez num controlo antidoping. Adeus, Itália. Maldita cocaína.

Maradona, 50 anos: «Com o meu passe, difícil era não marcar o Golo do Século»

Por Vítor Hugo Alvarenga

«Com o meu passe de qualidade para Maradona, difícil era o Maradona não marcar o golo (do Século)!»

Hector Enrique, el Negro, fora o último argentino a tocar na bola antes da obra de arte maradoniana. Para trás, ficara a Mão de Deus. Ultraje duplo, ingleses em estado de revolta, momentos épicos nos quartos-de-final do Mundial de 1986.

Naqueles segundos, uma escassez de tempo que perdura há um quarto de século, Diego Armando Maradona não foi Deus. Tinha o Diabo no corpo. Recebeu um passe curto de Enrique, este que brinca com a relevância do movimento simples, ainda no seu meio-campo.

O melhor Maradona de sempre foi para cima deles, encarando meia Inglaterra. Driblou Beardsley, Reid, Butcher, Fenwick, Butcher de novo, até tombar Peter Shilton. Pouco mais que parados, os argentinos sorriam, incrédulos.

Shilton falaria por dinheiro

Os ingleses, envergonhados, lançavam suspeitas quanto à humanidade do gesto. Não, ninguém podia fazer aquilo. Maradona podia. Nem Beardsley, nem Reid, nem Butcher, nem Fenwick, muito menos Shilton. Ninguém quer recordar aquela história. O guarda-redes, explicaram ao Maisfutebol, só o faria por dinheiro. Nem pensar.

Enrique, el Negro, nem hesita. Atende o telemóvel e ri-se, desfaz-se em gargalhadas. O seu passe curto, simples como a vida, viu nascer a obra. Para ele, uma inevitabilidade. «Continuo a dizer que, depois do meu passe, o mais difícil era Maradona falhar aquele golo», repete, hoje como ontem.

«Por acaso, nos treinos da selecção, repetimos a jogada e o Maradona não conseguiu fazer o mesmo. Ou seja, o meu passe foi mesmo importante. Foi um orgulho ter entrado na história desse Deus do futebol», diz Enrique ao Maisfutebol, depois de ter sido adjunto de Maradona no Mundial de 2010.

Uma mão sem desculpa

Para trás, ficara a mão de Deus, a maldade celebrizada como obra divina, o momento em que Maradona, 166 centímetros de gente, fez-se mais alto que Peter Shilton, confortável no seu metro e oitenta e seis. Nem um pedido de desculpa, para encerrar a questão.

A Argentina, cada vez mais a Argentina de Diego, derrubava a Inglaterra. 115 mil almas, espalhadas pelo Estádio Azteca (México), rendiam-se a D10S. Gary Lineker, melhor marcador do Mundial, atenuou o golpe, antes da despedida inglória (2-1).

Diego Armando Maradona, melhor jogador do torneio, comandou a «celeste» até à final. Bélgica e Alemanha Ocidental a seus pés. Argentina no topo do Mundo.

Um amor de adolescência

«Amei o Diego como jogador de futebol. É fantástico ter estado como ele, deram-me essa alegria na vida, de perceber a sua humildade, apesar do sucesso. É muito querido para os verdadeiros amigos. Há jogadores que marcam um golo e com o ego, já nem passam numa porta. Diego foi o maior e nunca se deixou afectar», garante Hector Enrique.

De 1986 para 2010, dos relvados para o banco, el Negro passou de colega a adjunto. Com uma certeza inabalável: «Estivemos agora juntos no Mundial e disse-lhe: Diego, cada vez mais tenho a certeza que ninguém chega nem perto do teu nível. Messi talvez seja o mais próximo do que o Diego foi, com as devidas diferenças.»

«Lembro-me que tinha 14 anos e estava como adepto no estádio do Lanus. Ele tinha 16 e já jogava na primeira. O Argentinos Juniors empatou 1-1, com um golo dele, e fiquei encantado, desde esse dia. Queria ser como ele, fazer um pouco do que ele fazia», remata. Jogou ao lado dele, pelo menos.

Maradona, 50 anos: «Carlos, dás-me a tua camisola?»

Por Catarina Machado

Um pequeno toque no ombro. Carlos Manuel, então capitão do Sporting, falava às rádios no acesso ao túnel do Estádio de Alvalade sobre o empate sem golos frente ao Nápoles, em 1989, a contar para a Taça UEFA, quando Maradona se lhe dirige.

«Carlos, dás-me a tua camisola?», perguntou o D10S com o jersey 16 na mão, provavelmente a mesma que três anos antes afastou a Inglaterra do Mundial.

Carlos Manuel achou «estranho», até para si, que nunca teve o hábito de trocar camisolas. Mas era Maradona. «Os meus amigos pediam-me sempre a camisola de onde jogava e, por isso, nunca trocava. Mas o Maradona queria trocar a camisola. Ele só devia fazê-lo com capitães e eu era capitão do Sporting, só por isso, penso eu. Mas deve ser inédito ter uma camisola 16 do Maradona, porque ele não foi titular e, antigamente, os números eram fixos daquela maneira. É a única camisola que tenho», recordou Carlos Manuel ao Maisfutebol.

Não era a primeira vez que defrontava Maradona - foi em 1981, em Buenos Aires, num particular do Benfica com a selecção argentina -, já lá iremos, mas era a primeira vez que muitos adeptos tinham o privilégio de ver Maradona ao vivo. Carlos Manuel lembra-se de um Alvalade cheio¿ de curiosos.

«Possivelmente, as pessoas até tinham ido ao estádio para ver o Maradona. Mas o futebol tem coisas interessantes. Imagine que ia ver o Pavarotti cantar e quando ele entrava em cena o assobiava. Não é normal! Quando o Maradona entrou houve um coro de assobios», contou.

Mas também houve «muitas palmas». Os adeptos renderam-se à simplicidade de Maradona quando, já durante o jogo, realizava o aquecimento com um... apanha-bolas.

Na segunda volta haveria mais Maradona para deslumbrar a comitiva portuguesa. Depois do toque no ombro, o toque na porta.

«Em Nápoles, estávamos na cabina quando me chamaram lá fora. Era o Maradona a perguntar se precisávamos de alguma coisa, se estava tudo bem. Ele, como capitão do Nápoles, não tinha necessidade de ir ter connosco», disse Carlos Manuel.

Mas foi ao serviço do Benfica que Carlos Manuel conheceu El Pibe. «Num jogo particular com a selecção argentina, em Buenos Aires, de preparação para o Mundial-1982, o antigo médio português nem precisou tirar as medidas ao jovem avançado, então com 20 anos, para saber o que o esperava em campo. «Estive algum tempo a falar com o Ardiles [antigo médio argentino, vencedor do Mundial 78] e ele dizia já o melhor sobre Maradona. Não era normal naquela altura.»

«Devia ter tirado uma foto com ele», lamentou Domingos

Se pudesse voltar atrás, Domingos tinha tirado uma foto com Maradona. «Devia tê-lo feito, mas não o fiz», contou ao Maisfutebol. Não o fez, mas também ninguém lhe tira as memórias de um dia único para si e para o F.C. Porto. Em Sevilha, o agora técnico do Sp. Braga realizou o sonho de qualificar a sua equipa para a Liga dos Campeões no mesmo campo onde anos antes realizou o sonho de defrontar Maradona. Um jogo de despedida do argentino, onde o Dragão foi convidado.

«Na altura até apareci numa foto, numa disputa de bola com ele! E guardei o jornal. Era um sonho para qualquer jogador poder defrontar o melhor do mundo e toda a gente viveu aquele jogo de forma diferente. Foi um dia muito especial para muitos jogadores do F.C. Porto», recordou.

Domingos não falou com Maradona, mas admirou-o. Naquele dia e nos seguintes. Pelo melhor e pelo pior. «Mais tarde fui para Tenerife onde encontrei o guarda-redes que jogava no Sevilha de então, o espanhol Juan Carlos Unzué. E falámos desse jogo e do homem e do colega de balneário que Maradona era. Contou-me coisas muito boas. Que era muito integrado no grupo, muito colega de equipa, não era vedeta, era amigo do amigo», contou, orgulhoso.

Para Domingos, «Maradona teria sempre de existir». E porquê? «Porque é o melhor do mundo, é o expoente máximo do futebol. É um exemplo para todos, por tudo o que fez de diferente.»

Maradona, 50 anos: «Defendi dois penálties dele e perdi na mesma!»

Por Vítor Hugo Alvarenga

Tomislav Ivkovic. Terá sido o único guarda-redes a travar Diego Armando Maradona, em dose dupla. Dois castigos máximos defendidos, uma história para partilhar com filhos e netos. Omita-se a outra face da moeda: defendeu, mas perdeu na mesma.

A partir da Croácia, com humor e vocabulário português inatacável, Ivkovic recorda a provocação repetida a D10S. «Porra, porque me ligam e falam em inglês? Estive 16 anos em Portugal! Se é para falar de Maradona, falo em português. Vamos a isso.»

O Maisfutebol lança o desafio e deixa-se levar pelas palavras do antigo guarda-redes. Memórias frescas, apimentadas com frases fortes, despidas de diplomacias bacocas. Do Maradona gordo em Alvalade, passando pelos 100 dólares em Nápoles, até chegar ao nervosismo argentino no Mundial de 1990. Discurso directo, sem filtros:

Sporting-Nápoles, 0-0 (Taça UEFA, 88/89): «Lembro-me que, quando ele chegou a Alvalade, vinha gordo, com barba. Tinha-se atrasado aos treinos no Nápoles, estava mesmo mal. Começou no banco mas, quando entrou, Alvalade ficou em silêncio, tudo com medo. Mas gordo como ele estava, não fazia nada! Em Nápoles, já estava bem melhor. Infelizmente, só empatámos 0-0.»

Nápoles-Sporting, 0-0, 3-4 após g.p. (Taça UEFA, 88/89): «Voltámos a empatar e, quando chegaram as grandes penalidades. fiz uma aposta num momento decisivo e inesperado. Lembrei-me. Cheguei ao pé do Maradona e saiu-me aquilo. O Maradona ficou surpreendido e o árbitro também. Apostei 100 dólares em como ia defender. Era o quinto penalty e defendi mesmo! No final do jogo, ele foi ao nosso balneário com a camisola 10 e o dinheiro.»

Argentina-Jugoslávia, 0-0, 4-3 após g.p. (Quartos-de-final do Itália 90): «Pouco tempo depois, voltámos a ser adversários no Mundial. Eram os quartos-de-final e fomos a penálties. Um jornalista alemão veio entrevistar-me antes do jogo e disse-lhe que ia defender de novo um penalty, se acontecesse, mas que teria de ser o Maradona a dizer o que queria apostar, desta vez. O jornalista foi falar com o Maradona, mas ele disse que não haveria aposta. A verdade é que o Maradona falhou de novo! Estava nervoso. Eu fingi que me ia atirar para o mesmo lado que frente ao Nápoles, mas fui para o outro. Ele rematou para lá e caiu-lhe o Mundo! Infelizmente, nós falhámos três penalties e saímos do Mundial»

«Defendi dois penálties do Maradona e perdi das duas vezes! É incrível mas é futebol», desabafa Ivkovic, agora treinador de futebol à procura de equipa. Em jeito de despedida, no 50º aniversário do D10S, fica a sentença: «Dentro das quatro linhas, o Maradona foi o maior. Fora, falhou redondamente. Vi Maradona, Pelé, Cryuff, todos eles jogar, e o Maradona estava um pouco acima de todos os outros. Fora dos relvados, estava para lá do fundo.»

Maradona, 50 anos: o regresso à Argentina, que só pedia metade dele

Por João Tiago Figueiredo

Por vezes, é necessário um reset que apague erros antigos e permita um recomeço em grande. Este foi o pensamento que trouxe Maradona de volta à Argentina. Depois da polémica saída do Nápoles e de uma fugaz passagem pelo Sevilha, o regresso a casa.

«Ele tinha de regressar, não tinha mais nada a fazer na Europa». A declaração é de Ricardo Giusti, companheiro de Maradona nos Mundiais de 1986 e 1990, um dos «carregadores de piano» da equipa que conquistou o mundo no México.

Quando atendeu o telefonema do Maisfutebol, não escondeu o espanto: «Porque me estão a escolher a mim para falar do Maradona? Há tanta gente mais importante». A frase não encontra base num ponto: o regresso de Maradona à Argentina, em 1993, para jogar no Newells. Aí, poucos terão tanta importância como Ricardo Giusti.

Ainda muito próximo de «El Pibe, mas já retirado na altura, Giusti não pensou duas vezes em aconselhar a contratação à equipa onde iniciou a carreira, apesar de todas as polémicas em que «El Pibe» estava envolvido. «Sabia que ele não estava no seu momento mais alto, mas eu tinha confiança que ele ia voltar a ser o grande Maradona se voltasse a jogar na Argentina. Mas o Newells nem precisava do Maradona de 86, metade já era bom», atira.

Trinta mil a ver um treino

A ideia não colheu unanimidade. «Havia algumas pessoas que eram contra, que diziam que ele já estava acabado», conta. Mas Giusti estava plenamente convicto da aposta e pressionou o Newells a entrar na corrida, quando se dizia que o destino de Maradona poderia ser o Argentino Juniors.

«O ambiente cá ia protegê-lo de tudo. E tinha cá a filha também, tinha tudo para ser uma boa aposta, como é óbvio. Quando se joga num sítio onde somos queridos, conseguimos dar dez vezes mais. Depois do Mundial de 90 a força dele na Europa tinha vindo a diminuir e ele ainda queria fazer mais um Mundial com a Argentina», revela.

A 13 de Setembro de 1993, 30 mil pessoas juntaram-se para ver o primeiro treino de Maradona no regresso a «casa». Nunca tanta gente tinha visto um treino do Newells. Mas o regresso seria infeliz. Uma sucessão de lesões e a incompatibilidade com o técnico Jorge Castelli precipitaram o fim, cinco jogos depois e sem qualquer golo marcado.

«Com os jogadores não se passou nada. Já no meu tempo não havia nada a apontar-lhe como companheiro e acho que ninguém tem. Quando voltou à Argentina, nos treinos era mais um, apenas. Trabalhava como todos e não tirava proveito de nada por ser o Maradona», assegurou Giusti.

E a despedida, precisamente há 13 anos

Maradona haveria de conseguir marcar presença (e criar polémica) no Mundial dos EUA e ainda regressaria ao «seu» Boca Juniors. Mas os excessos fora de campo, a idade e a pressão tinham deixado marcas. Ver Maradona jogar começava a ser um exercício de memória, tentando lembrar o génio que já não era tão brilhante.

A 25 de Outubro de 1997, num «clássico» com o River Plate, as coisas começam por correr mal. Maradona perdia por 0-1 e saiu para dar o lugar ao jovem Riquelme. O Boca deu a volta, venceu por 2-1 e, cinco dias mais tarde, no seu 37º aniversário, anunciou a retirada. Começou aí a interminável demanda argentina por uma nova referência. Um novo Deus.

Ricardo Giusti confessa nunca se ter arrependido da sugestão que fez ao Newells. Embora a relação com Maradona não seja a mesma: «Tenho as melhores recordações dele como jogador. Éramos companheiros. A palavra amigo é muito profunda. Partilhámos muitas coisas, mas a vida foi-nos separando. Eu segui o meu caminho e ele seguiu adiante na sua luta de crescer como treinador.»

Maradona, 50 anos: Ingrid Maria, o rosto cândido do lado escuro

Por João Tiago Figueiredo

«Agora começamos a rezar». A frase é de Júlio Grondona, presidente da Associação Argentina de Futebol, quando viu Maradona ser levado por uma enfermeira, no final do jogo com a Nigéria, no Mundial de 94. No campo, nas bancadas, em todo o mundo temeu-se o pior. Antevia-se o fim do mito.

Dentro ou fora do relvado, Maradona vivia de excessos. Um pouco como os grandes artistas, também o astro argentino nunca se conseguiu livrar da polémica.

Em 1994, a imagem cândida da enfermeira Ingrid Maria a acompanhar «El Pibe» do relvado aos bastidores correu mundo. Por questões de segurança, a FIFA nunca deu a conhecer o seu apelido. A única declaração que se lhe conhece fala do estado de Maradona: «Diego estava tranquilo e de bom humor. Nunca mostrou desconforto nem nervosismo».

A Argentina tinha entrado no Mundial a todo o gás. Vencera a Grécia e a Nigéria, depois de um sofrível apuramento. Maradona acusou efedrina, substância proibida que o terá ajudado a perder peso. Foi suspenso 15 meses e desabafou: «Cortaram-me as pernas». A lenda tombou, e arrastou o país.

«Cometeu erros com a própria vida, nunca afectou ninguém»

Na sua autobiografia, Maradona confessou ter começado a usar drogas durante a passagem pelo Barcelona, no início da década de 80. Seriam precisos dez anos, até ser apanhado no primeiro controlo anti-doping, o que levantou muitas suspeitas sobre a protecção que lhe estava reservada no Nápoles.

Em Março de 1991 acusou cocaína. Valeu-lhe 15 meses de suspensão e precipitou a saída de Itália. O que lhe deu tempo para coleccionar mais um título: campeão argentino de... futebol de salão. Isso mesmo. Pouca gente sabe, mas Diego aproveitou a suspensão para se dedicar ao futebol de cinco.

Fê-lo no Club Parque, ao lado do amigo Ricardo Lombardi, com quem tinha jogado no Cebollitas em criança. «Fomos campeões. Na final ganhámos 5-1, com três golos meus e dois de Maradona», conta Lomardi ao Maisfutebol. «Fomos festejá-lo em grande e vivemos momentos muito bonitos juntos. Diego é especial.»

A incursão no futebol de salão marca o início do fim. Regressou em Sevilha, mas não se deu bem: queixava-se que os directores colocavam espiões para o seguir fora do campo. Regressou a casa, mas as polémicas acompanharam-no.

Hector Eenrique, ex-companheiro e adjunto no Mundial 2010, entende-o como poucos: «Sempre foi uma pessoa normal, que cometeu erros. Cometeu erros com a própria vida, não afectou ninguém fora da sua família. As pessoas dizem que ele devia ser um exemplo, mas exemplo têm de ser os pais das crianças e não culpar o Maradona quando um filho comete um erro.»

«Si yo fuera Maradona, viviria como El»

Com a carreira de futebolista a aproximar-se drasticamente do final, Maradona entrou num ciclo que o levou a várias clínicas de desintoxicação (em 92, 96, 90 e 2001). O excesso de peso trouxe-lhe problemas cardíacos e deixou-o às portas da morte em 2004. O país uniu-se para orar pelo ídolo. Fãs juntaram-se à porta do hospital. Sobreviveu e ganhou forças para voltar a lutar. Foi operado para perder peso e conseguiu regressar à sua «albi-celeste» para o Mundial 2010.

«Um dia disse a Maradona que nunca tomei drogas e ele deu-me os sinceros parabéns. Ele sabe que aquilo lhe trouxe muitos problemas, tem perfeita consciência disso. O que importa é que Diego jogou bem porque tinha um dom, não por causa das drogas», frisa Hector Enrique.

O músico Mano Chao é outro que compreende «El Pibe» como poucos. Nunca escondeu a admiração por ele. Dedicou-lhe várias músicas e cantou para ele «La vida tombola» em plena calçada. Se ele fosse Maradona, «viveria como ele».

Maradona, 50 anos: segunda vida como DT, com Portugal a um canto

Por Vítor Hugo Alvarenga

Diego Armando Maradona não é imortal. Vergado pela idade e pelos excessos, despediu-se progressivamente dos relvados, quando o corpo sucumbiu ao cansaço. Mas D10S persiste.

Argentina rima com Maradona, Maradona rima com futebol. A «Celeste» é a namorada perfeita para o cinquentão.

«Trabalhou-se melhor no Mundial de 2010 que no Mundial de 1986, por exemplo. São coisas do futebol. Perdeu-se um jogo e querem-nos matar, mas Maradona persiste», avisa Hector Enrique, seu adjunto na África do Sul.

Três vitórias no fracasso

Maradona regressou ao palco Mundial com sangue, suor e lágrimas. Quando a Associação de Futebol da Argentina revelou o seu nome, todos recordaram duas experiências falhadas nos bancos. Como DT de Deportivo Textil Mandiyu e Racing Avellaneda, entre 1994 e 1995, acumulara apenas 3 vitórias em 23 jogos. Um fracasso.

Suspenso por doping, na ressaca do Campeonato do Mundo nos Estados Unidos, D10S refugiou-se no seu país e decidiu combater o ócio, ou o vício, com uma incursão pelos bancos. Carlos Tren, antigo colega de equipa, deu o nome para compensar a sua falta de credenciais. Tren ficou na miséria, após estes resultados modestos. Maradona não.

Maradona voltaria aos relvados, envergando a camisola do Boca Juniors até 1997. Acusou novamente depois, jogou mais um pouco mas rendeu-se às circunstâncias. Terminava a sua carreira de jogador. Que futuro?

Mergulhado na sua depressão, vergado pelos problemas físicos, D10S quase deixa de o ser. Agarra-se à vida no último momento, em vários momentos, até reencontrar o seu amor. Em 2008, a Argentina chama por ele. A «Celeste» vai parar às suas mãos. Aos soluços, agarrada ao coração, chega à fase final do Mundial de 2010.

«Perdemos um jogo, acontece»

«Agradeço a Deus por ter trabalhado com Diego Maradona, é uma aprendizagem acelerada, e espero que continue na selecção da Argentina, com ou sem mim. Quem esteve com ele, sabe que ele fez um excelente trabalho na África do Sul», frisa o adjunto Hector Enrique.

Enrique, el Negro, o homem que serviu Maradona para o Golo do Século, defende a causa. «Antes do jogo com a Alemanha, todos andavam à sua volta. Agora, todos criticam o seu trabalho. A selecção voltou atrás 10 anos desde que ele saiu. Maradona era muito profissional, trabalhou muito questões técnicas e tácticas, mais que em 86, onde se trabalhou mais o físico. Essa selecção foi campeã, nós perdemos um jogo. Acontece. E claro, faltava Maradona nesta. Maradona e eu (risos)», brinca, em diálogo com o Maisfutebol.

Diego Armando Maradona ama a Argentina, mas provou, em várias ocasiões, ter um carinho especial por Portugal. Já elogiou José Mourinho, um treinador que gostaria de ter «na mesa de cabeceira». Em pleno Mundial, defendeu a selecção lusa após a derrota com a Espanha, apelidando um dos auxiliares de Andrea Bocelli.

Maradona-treinador acompanha Portugal. Aliás, chegou a falar sobre a possibilidade de orientar a nossa selecção, antes da entrada em cena de Paulo Bento. Mas o convite não chegou. «Chegou-me aos ouvidos que havia a possibilidade de ir para Portugal, mas nunca falei com Diego sobre isso, em concreto. Sei que é o nosso tipo de selecção, uma selecção de que Diego gosta. Treinarmos Portugal seria lindo, sempre gostámos muito da qualidade dos jogadores portugueses. Mas para já, queria que ele continuasse na Argentina», remata Hector Enrique, seu adjunto.